Um acidente de moto que resultou na perda total dos movimentos do braço esquerdo não foi impedimento para Fidel Teixeira Lopes deixar de seguir as suas paixões. Assim também a amputação dos dois pés não foi motivo para Maria do Sol Vasconcellos desistir de seus sonhos. Ambos têm algo em comum: convivem com uma deficiência e são apaixonados pelo surfe.
Fidel é idealizador do projeto Associação Surf Sem Fronteiras (ASSF). Maria do Sol é aluna do projeto. Eles se encontram toda semana na praia da Barra da Lagoa, em Florianópolis, para uma aula de surfe adaptado. “A ASSF foi fundada em 2016 com o objetivo de empoderar as pessoas com deficiência através do surfe, a partir da oferta de aulas gratuitas com uma equipe altamente treinada”, explica Fidel.
Hoje, são entre 25 e 30 alunos com algum tipo de deficiência atendidos pelo projeto. “E sempre tem fila de espera”, conta o idealizador da ASSF. Conforme disse, para poder ter mais vagas, é preciso que mais pessoas se voluntariem para atender os alunos. Esses voluntários atuam em quatro grupos: o que presta apoio na sede, com a organização das aulas e distribuição dos equipamentos. “Os outros três são divididos conforme o aluno vai avançando no mar. Tem os que acompanham o mais longe possível, atrás da arrebentação, tem os que ficam na parte intermediária, e os que permanecem com os alunos na parte mais rasa, na beirola do mar”, afirma Fidel.
A guarda-vidas Marisa Moreira Pacheco é voluntária da Associação Surf Sem Fronteiras desde 2018. Ela conta que fazer parte da ASSF mudou a vida e a visão que ela tinha sobre as pessoas com deficiência.
“A gente começa a ver que os nossos amigos cadeirantes, por exemplo, têm dificuldade para se locomover na praia, para chegar na beira do mar, e que as pessoas com deficiência precisam superar obstáculos para ter acesso às mesmas coisas que a gente. Então, a experiência na associação me trouxe a oportunidade de conviver com pessoas com deficiência e entender as dificuldades que elas enfrentam.”
Aluna da ASSF desde 2018, Maria do Sol hoje é surfista profissional. É campeã brasileira da modalidade e vai disputar o Campeonato Mundial de Surfe Adaptado, em novembro, nos Estados Unidos. A deficiência acompanha a terapeuta desde quando tinha 45 dias de vida.
“Uma vela caiu acidentalmente em cima do cobertor e queimou os meus pés. Com isso, foi preciso amputar os dois. Desde então, e em toda a minha vida, tive que passar por uma série de adaptações. A forma de praticar o surf foi uma delas”, conta.
Capacitismo
Adaptação. É disso que precisa uma pessoa com deficiência para conseguir realizar determinadas tarefas. Não é de piedade, nem dizer que foi superação. Aliás, discriminar uma pessoa com deficiência tem nome: é o capacitismo.
O capacitismo consiste na discriminação e no preconceito contra pessoas com deficiência. Esse preconceito pode ser consciente ou inconsciente, mas sempre reflete a ideia de que há um corpo padrão, sem deficiência, que é considerado “normal”. A partir dessa ideia, muitas pessoas subestimam a capacidade e a aptidão de pessoas com deficiência e as colocam em posição de inferioridade.
E a Assembleia Legislativa de Santa Catarina entrou na luta contra o capacitismo. Os deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei que institui a Semana Estadual de Combate ao Capacitismo, a ser celebrada anualmente no período que compreende o dia 21 de setembro - Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. O objetivo é promover e difundir o conhecimento desse tema, que é de suma importância para as pessoas com deficiência.
“Nós viemos de uma cultura imposta há algum tempo de que as pessoas com deficiência são colocadas como ‘coitadas’. E isso não condiz com a realidade. Penso que algumas atitudes podem proporcionar ambientes adequados e condições para que essas pessoas se desenvolvam. É importante que cada um se coloque no lugar das outras pessoas antes de tomar algumas atitudes”, defende Fidel.
A proposta aprovada na Alesc depende ainda da confirmação do governador Jorginho Mello para se tornar lei.